A té duas décadas atrás, a laranja reinava no sítio Alegria, localizado em Catanduva, município do interior paulista. Só se via a fruta nos 32 hectares de plantação do engenheiro agrônomo Marco Carvalho, 45 anos. Mas, cansado da monocultura, ele decidiu diversificar. No lugar do laranjal, hoje estão o limão tahiti, a manga, a goiaba e também a cana-de-açúcar, cultura que domina a região onde estão grandes usinas do setor, entre elas a chinesa Cofco Agri e a brasileira Cerradinho. Agora, o produtor quer mudar novamente o roçado e apostar ainda mais alto no cultivo do limão, atualmente em quatro hectares. O projeto é chegar a 12 hectares, nos próximos seis anos, para colher 552 toneladas, um pouco mais de três vezes acima da sua atual produção. “Vou acabar com a lavoura de cana-de-açúcar, reservando mais espaço para a fruta”, diz Carvalho. “Estou apostando no limão, porque é onde eu mais consegui agregar valor à minha produção nos últimos tempos.”
Carvalho não está sozinho nesse projeto de apostar no doce mercado de uma fruta azeda. O produtor faz parte uma crescente leva de fruticultores de sua região que estão voltando suas atenções ao cultivo do limão. Apostam em uma produção mais caprichada, com uma boa adubação de solo, cuidados especiais contra pragas e doenças e a adoção de irrigação no pomar, para acessarem um mercado de elite: a exportação. O esforço tem rendido no bolso. No ano passado, o País exportou 96,6 mil toneladas de limão in natura, 45,4% acima do volume de cinco anos atrás. Em valor, a receita foi de US$ 78,6 milhões. Mas o potencial pode ser ainda maior de acordo com o engenheiro químico Moacyr Saraiva Fernandes, presidente do Instituto Brasileiro de Frutas (Ibraf). “Há mercados promissores e ainda não explorados, como os Estados Unidos, por exemplo”, diz Fernandes. “Com uma cadeia de produtores organizada e unida, o limão tem uma enorme chance de ser outro grande caso de sucesso da fruticultura brasileira”. Segundo os dados mais recentes da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês), compilados em 2013, a produção mundial foi de 17 mil toneladas, lideradas pela Índia, México, China, Argentina e o Brasil.
Ao gosto europeu: para Fernanda, do Cepea/Esalq, a fruta nacional tem ganhado mais espaço na culinária e na preparação de bebidas no Velho Mundo, onde é considerada exótica
O que tem movido os produtores é o ótimo preço da fruta. No mercado internacional, a valorização pode chegar a 25% comparado com os preços do mercado interno. Pela cotação do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq), de Piracicaba (SP), a caixa de 27,2 quilos, que é o padrão de medição da fruta no atacado, chegou a R$ 33 no exterior, no ano passado. No País, essa mesma caixa era vendida a R$ 26,60. Já na comparação entre os preços do limão e da laranja do mercado interno, em 2015, enquanto o quilo do limão ficou numa média de R$ 0,98, o da laranja era 2,6 vezes menor, ou R$ 0,37. O Brasil colhe atualmente, 1,1 milhão de toneladas de limão, das quais 91% ficam no mercado interno e 9% são exportadas. É justamente a fruta para exportação, por causa da moeda americana valorizada, que tem atraído os produtores. No sítio Alegria, por exemplo, a produção de 2015 foi de 168 toneladas, das quais 117,6, ou 70% da safra foi exportada. “Por isso, faço questão de colher um limão de qualidade”, diz Carvalho. O produtor tem acessado o mercado externo com facilidade porque, desde ano passado, o sítio tem o selo Eurepgap (Euro Retailer Produce Working Group Eurep). O programa de adesão voluntária de boas práticas, que nasceu na Alemanha, em 1997, e é reconhecido mundialmente, tem por finalidade melhorar os padrões dos produtos e da indústria alimentícia. “É o selo que garante lá fora a rastreabilidade de minha produção”, afirma Carvalho.
Mercado promissor: Fernandes, do Ibraf, diz que os Estados Unidos seriam a melhor oportunidade para as exportações do limão brasileiro se fosse firmado um protocolo fitossanitário no País
De acordo com a analista econômica do mercado de citros do Cepea/Esalq, Fernanda Geraldini Palmieri, o cenário para o limão é, de fato, promissor porque o Brasil tem se tornado cada vez mais referência e um grande fornecedor confiável da fruta. “O limão ganhou mercado mesmo foi na Europa, hoje o principal comprador”, diz Fernanda. “Por lá, ele é considerado uma fruta exótica, ganhando espaço na culinária e na preparação de bebidas.” No ano passado, os europeus, especialmente a Holanda e o Reino Unido, compraram 81 mil toneladas, ou 84% do total exportado. Porém, para a indústria exportadora, o grande salto seria alcançar o mercado americano. Os Estados Unidos, país no qual o Brasil ainda não tem acesso, importa 400 mil toneladas anuais da fruta, figurando como o maior comprador mundial. Fernandes, do Ibraf, diz que a missão não é impossível. “O nosso limão ainda não chega aos Estados Unidos por causa da doença do cancro cítrico”, diz. A praga detectada em 1957 tomou os pomares brasileiros na década de 1990 e até hoje é um problema recorrente, causando desfolhagem na planta, lesões e queda na qualidade dos frutos. Apenas a erradicação do pomar é capaz de deter a bactéria causadora da praga, provavelmente trazida da Ásia através de mudas clandestinas. Para Fernandes, o caminho é o estudo de um protocolo fitossanitário, demarcando as áreas nas quais a doença está presente e as regiões consideradas livres. “Assim, o País estaria mais próximo de abrir suas negociações com os americanos”, diz ele. “Estamos falando de um mercado tão grande que, por gerações, a princípio, não precisaríamos nos preocupar com outro cliente.”
Para a administradora Graziela Maria Tagliari Van Zan, 34 anos, sócia e proprietária da Citrus Tree, de Mogi Mirim (SP), empresa que cultiva 450 hectares de limão, além de beneficiar e exportar a fruta, para ganhar mercado, o caminho é certificar mais produtores, como Carvalho. “É a partir das certificações que temos volume para atender os mercados internacionais”, diz Graziela. “Nós, por exemplo, produzimos apenas 25% de nossa demanda.” Atualmente, são 6,5 mil toneladas por ano, outras 19,5 mil toneladas são compradas de terceiros. “Por falta de certificação, conseguimos aproveitar para o mercado externo apenas metade do que é comprado”, afirma Graziela. Por isso, um dos principais projetos da empresa tem sido auxiliar os produtores na obtenção de certificados. A meta, até o final deste ano, é consolidar 350 hectares exclusivos para atender o mercado europeu. A Citrus Tree não revela sua receita, mas, tomando os preços de mercado do ano passado ela não ficou longe de R$ 28,5 milhões. “Acreditamos tanto no mercado do limão que ele passou a ser foco dos nossos negócios”, diz Graziela. “Um negócio muito bem feito e de futuro.”
E pelos arredores da propriedade de Carvalho, especialmente no município vizinho, Itajobi, o que mais se encontra são produtores que estão pensando dessa mesma forma. E não é para menos. Itajobi desponta como o maior polo de produção de limão tahiti ou lima ácida tahiti do País – fruto que, na realidade, não é considerado um limão verdadeiro, como o limão-siciliano, mas um híbrido desta variedade com a lima-da-pérsia. Segundo os dados mais recentes do IBGE, de 2014, a cidade paulista respondeu por 11,5%, ou 126,4 mil toneladas, da produção brasileira de 1,1 milhão toneladas, naquele mesmo ano.